Quase metade dos eleitores brasileiros têm uma visão política adulterada por suas preferências partidárias, e isso deve ajudar a definir quem vai ao segundo turno das eleições presidenciais de outubro no País, segundo o cientista político David J. Samuels, professor na Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos.
Para Samuels, quase 50% dos eleitores do Brasil as escolhas políticas não são feitas apenas de forma personalista em torno dos candidatos nem por interesses pessoais. O que guia o brasileiro que vai às urnas é em grande parte a relação dele com os partidos políticos. Ou com pelo menos uma das siglas, o PT, que gera sentimentos de amor e ódio na população.
Autor de um estudo que mostra que a tradição de minimizar a importância de partidos no Brasil está errada, Samuels defendeu, em entrevista à BBC News Brasil, que “Na cabeça dos eleitores, a divisão entre petistas e antipetistas é uma força poderosa, que pode moldar o resultado da eleição, independentemente de Lula ser candidato ou não”.
“Entre 20% e 25% da população não vai votar no PT de jeito nenhum. Mas também sabemos que entre 20% e 25% dos eleitores têm uma probabilidade extrema de votar em qualquer candidato do partido”, afirmou o cientista político, que é doutor pela Universidade da Califórnia.
Para ele, além do PT – que teria chances por conta dessa mobilização partidária – as alianças do PSDB acertaram ao unir o “centrão” (bloco formado por PP, PR, DEM, PRB e Solidariedade) para formar um grupo forte de partidos para disputar um lugar no segundo turno. “O PSDB está jogando este jogo de forma muito inteligente. Eles também têm muita organização, apesar de não terem uma rede de partidários forte, e o partido se beneficia com o tempo de TV e da capilaridade de vários outros partidos no nível local, se aproveitando de vereadores e cabos eleitorais que estão se juntando a um potencial vencedor.”
Samuels argumenta ainda que a ausência de alianças partidárias deve dificultar o desempenho do candidato Jair Bolsonaro (PSL-RJ). “A candidatura de Bolsonaro não é uma piada, e ele está se baseando muito no que aconteceu com Trump aqui nos EUA. Mas a grande diferença é que ele realmente não tem apoio de uma organização forte e, ao contrário do que acontece nos EUA, no Brasil realmente é necessário ter a organização e o apoio de máquinas locais para chegar ao segundo turno. É preciso ter alianças com governadores e senadores, de chapas para deputados, e ele não tem nada de tempo na TV, mal vai conseguir falar o próprio nome”, disse.
Polarização política
A tese sobre a divisão partidária do Brasil entre petistas e antipetistas é defendida por Samuels no livro Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans – Voting Behavior in Brazil (Partidários, antipartidários e apartidários – o comportamento eleitoral no Brasil, da Cambridge University Press).
Escrita em parceria com Cesar Zucco, da FGV, a obra mostra que desde os anos 1980 se formou uma divisão entre dois grupos de eleitores: uns votam sempre no PT, e outros votam sempre contra o PT. “Para entender o caminho da política eleitoral brasileira desde a redemocratização, é particularmente importante entender como a emergência do PT moldou as atitudes políticas e o comportamento dos eleitores – tanto a favor quanto contra”, indicou o livro. “Tanto o partidarismo positivo quanto o negativo moldaram de forma poderosa as atitudes políticas e o comportamento de grande parte do eleitorado do Brasil”.
Para Samuels, o partidarismo costuma funcionar em todo País como “uma lente positiva ao olhar qualquer coisa que o partido faça. As pessoas só veem seu partido de forma positiva e os outros partidos de forma negativa”. No caso do Brasil, entretanto, a divisão se dá em torno de um único partido: “Há o grupo que só vê tudo de certo e o que vê tudo de errado no PT”.
Segundo ele, entre os antipetistas há pessoas que votam em vários outros partidos, mas o nível de identificação pessoal dos eleitores brasileiros com outros partidos é pequeno – o foco é mesmo o PT. “Há bem poucos partidários do PSDB. Segundo a maioria das pesquisas, os eleitores do partido não passam de 5%. O partido nunca colocou muito foco em desenvolver uma identidade entre eleitores. Eles não vão além de dizer ‘somos competentes, sabemos governar, confie em nós’. E muita gente o faz. Não há problema nisso. Mas são eleitores que não têm uma ideologia, não têm um perfil social tão claro”, apontou.
Segundo Samuels, a única coisa que separa claramente os petistas e os antipetistas é o amor ou ódio ao PT, argumenta. “Se você perguntar sobre ideologia, surpreendentemente também não há diferenças claras entre petistas e antipetistas”.
A dificuldade em compreender o que leva ao partidarismo é algo que existe em todos os países, e que há elementos que vão muito além da ideologia na hora em que as pessoas definem o time que apoiam na política.
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