Os Emirados Árabes Unidos estão cobrando uma espécie de “pedágio”
para que apareceram como aliado do governo de Jair Bolsonaro no mundo
árabe: querem que o Brasil adote uma posição mais crítica contra o Irã e
se oponha a qualquer tentativa de salvar o acordo nuclear iraniano.
O chanceler Ernesto Araújo está patrocinando uma aproximação com a
confederação de monarquias do golfo Pérsico para defender o governo das
críticas de que o alinhamento de Bolsonaro com Israel pode prejudicar o
comércio do Brasil com os países árabes.
Na quinta-feira (4), em uma audiência na Comissão de Relações
Exteriores do Senado, o chanceler informou que está preparando uma
agenda de visitas de Bolsonaro ao Oriente Médio.
“Temos a intenção de preparar visitas presidenciais a países-chave
daquela região”, declarou, citando os Emirados Árabes Unidos e a Arábia
Saudita como dois possíveis destinos. Segundo o chanceler, a agenda pode
ocorrer ainda no primeiro semestre.
Durante a viagem oficial de Bolsonaro a Israel, no início desta
semana, o presidente anunciou a abertura de um escritório comercial do
Brasil em Jerusalém, cidade disputada por israelenses e palestinos.
Embora seja um recuo em relação à sua promessa de campanha, de
transferir a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, o gesto
incomodou países árabes.
As reuniões entre diplomatas brasileiros e autoridades dos Emirados
têm ocorrido desde o início do governo Bolsonaro, mas os contatos se
iniciaram durante a transição.
O primeiro convite do presidente Khalifa bin Zayid Al Nahyan para que
Bolsonaro visitasse Abu Dhabi foi feito em dezembro, antes do início do
atual mandato.
O convite foi reforçado em março, quando o chefe da diplomacia dos
Emirados, xeque Abdullah bin Zayed Al Nahyan, viajou a Brasília e se
reuniu com Araújo e com Bolsonaro.
A maior preocupação, principalmente do setor do agronegócio
brasileiro, é que a aproximação com Israel gere retaliações comerciais
de países árabes consumidores de carne brasileira.
A viagem de Bolsonaro ao Oriente Médio está sendo preparada
justamente para argumentar que o Brasil mantém boas relações com nações
importantes do mundo árabe e de maioria islâmica.
Enquanto a visita aos Emirados Árabes é tratada como certa no
Itamaraty, dependendo apenas de detalhes, ainda há dúvidas se a Arábia
Saudita estará no roteiro —uma visita ao reino poderia causar
constrangimentos para Bolsonaro na arena global.
O príncipe herdeiro saudita, Mohammed Bin Salman, enfrenta um
isolamento internacional desde que foi acusado de envolvimento no
assassinato de Jamar Khashoggi, jornalista daquele país que escrevia
para o The Washington Post.
Segundo interlocutores no governo, nas reuniões as autoridades dos
Emirados Árabes Unidos manifestam grande interesse em ampliar
investimentos no Brasil.
O principal alvo dos negociadores brasileiros são os fundos soberanos
geridos pelo governo daquele país, que tem a sexta maior reserva de
petróleo do mundo.
Além do mais, os emirados são hoje o terceiro destino de produtos
brasileiros ao mundo árabe. Em 2018, as exportações somaram cerca de US$
2,03 bilhões.
Além de servir como um “escudo” contra as acusações de que Bolsonaro
estimula uma política contrária aos países árabes, o governo brasileiro
está interessado em usar os Emirados como um “hub” logístico para enviar
produtos agrícolas à Ásia, sobretudo à Índia e à Malásia.
Para potencializar a parceria, o Brasil e os emirados estão
negociando um acordo de facilitação aduaneira que, segundo autoridades
de Brasília, pode potencializar a parceria comercial entre os dois
países e o uso do Golfo Pérsico como um “reexportador” de bens
brasileiros.
Os emirados, no entanto, pressionam para que essa aproximação comercial seja acompanhada de uma aliança geopolítica.
Tanto os Emirados Árabes quanto a Arábia Saudita, ambos aliados dos EUA, são rivais do Irã no Oriente Médio.
De acordo com pessoas que acompanham as tratativas, os Emirados têm
reiterado que gostariam de uma posição mais dura do Brasil contra o Irã.
Além de esperarem contar com o voto do Brasil em organismos
internacionais em temas relacionados com o país persa, eles querem uma
manifestação do governo Bolsonaro contra o acordo nuclear iraniano de
2015.
O gesto teria um valor simbólico a mais porque a diplomacia
brasileira nos governos petistas se empenhou em mediar uma tratativa
semelhante com os iranianos.
O objetivo do acordo era desmantelar o programa nuclear de Teerã em troca do levantamento de sanções internacionais.
Em 2018, no entanto, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou a saída de seu país do acordo e a retomada das sanções.
A União Europeia continua defendendo o acordo com os iranianos e
iniciou uma queda de braço com os EUA para tentar salvar o entendimento.
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