A mudança na postura ocorre enquanto o Itamaraty sob o governo de Jair Bolsonaro dá sinais de que priorizará a relação com os Estados Unidos em sua política externa, ao mesmo tempo em que o governo de Donald Trump adota regras mais restritivas para conceder vistos a brasileiros.
A isenção de vistos a estrangeiros é uma antiga demanda da indústria do turismo brasileira, mas nunca saiu do papel principalmente por causa da oposição do Itamaraty. O órgão argumentava que a medida violaria o princípio da reciprocidade na política externa e enfraqueceria o Brasil diante dos países contemplados, que exigem e continuarão a exigir vistos de turistas brasileiros.
Porém, em entrevista à BBC News Brasil, um representante do MRE afirmou que o órgão hoje defende que turistas americanos e canadenses fiquem isentos de vistos no Brasil. Segundo o diplomata Fábio Marzano, cotado para chefiar uma secretaria no Itamaraty, uma decisão sobre o tema poderá ser anunciada "rapidamente" e não está mais na alçada do ministério.
Ele afirma que a liberação dos vistos atende aos interesses do setor turístico e gerará benefícios econômicos para o Brasil. "No futuro, consideramos adotar a mesma medida em relação a outros países com o mesmo perfil de turistas, que não trazem qualquer problema ao Brasil", disse Marzano, ministro de segunda classe (nível hierárquico abaixo de embaixador) no Itamaraty e indicado para conceder a entrevista sobre o tema pela assessoria de imprensa
Marzano diz que a medida não enfraquecerá o Brasil diante dos países beneficiados. Ele rejeitou o argumento - defendido pelo MRE até o ano passado - de que, ao isentar americanos de vistos, o Brasil perderia poder de barganha para negociar a isenção de vistos para turistas brasileiros nos EUA.
Segundo o diplomata, "não há qualquer abertura para a negociação de isenção de vistos a turistas brasileiros com os EUA e Canadá hoje". Ele diz ainda que vários países asiáticos, africanos e latino-americanos - entre os quais citou a Argentina, México, Equador, Colômbia e África do Sul - já liberam unilateralmente a exigência de vistos para turistas de outras nações.
Outras nações emergentes, porém - caso de China, Índia, Rússia, Turquia e Arábia Saudita - adotam o conceito de reciprocidade na concessão de vistos, exigindo o documento para visitantes cujos países requeiram vistos de seus cidadãos.
Princípio da reciprocidade
Defendida por associações de hotéis e agências de turismo brasileiras, a isenção de vistos a americanos sempre enfrentou resistências por parte do Itamaraty, que tradicionalmente advoga o princípio da reciprocidade nas relações externas.
Por esse princípio, o Brasil só poderia abrir mão de exigir vistos dos cidadãos de um país se esta nação aplicar a mesma medida em relação aos brasileiros. Os EUA, porém, não sinalizam disposição de isentar brasileiros de vistos num futuro próximo - e essa possibilidade pode ficar ainda mais distante caso o Brasil decida abrir mão de exigir vistos de americanos unilateralmente, segundo uma professora de Relações Internacionais ouvida pela BBC News Brasil.
Em nota, o Ministério do Turismo diz buscar a isenção completa de vistos para cidadãos de EUA, Canadá, Japão e Austrália - posição que já era defendida pela pasta na gestão anterior, no governo Michel Temer.
Até maio de 2017, a legislação brasileira proibia isenções de visto sem reciprocidade. A nova Lei de Migração, porém, passou a prever essa possibilidade.
Vistos eletrônicos para o Brasil
Desde o fim de 2017, cidadãos de EUA, Canadá, Austrália e Japão já desfrutam de um esquema especial de vistos para o Brasil. Eles podem obtê-los pela internet sem a necessidade de comparecer a um consulado, modalidade que acelerou e barateou o processo.
Segundo o Ministério do Turismo, um ano após a implantação do visto eletrônico, houve um crescimento de cerca de 40% nos pedidos de visto para o Brasil. O órgão, no entanto, não detalha quanto desse aumento se deve à vinda de americanos, japoneses, canadenses e australianos.
O ministério diz que, caso os pedidos adicionais tenham se convertido em viagens, houve uma injeção de US$ 71,5 milhões (cerca de R$ 268,6 milhões) na economia brasileira.
"A isenção do visto para países estratégicos faz parte de uma série de medidas que visam, entre outros objetivos, à redução no déficit da balança comercial do turismo. Em 2018, os brasileiros gastaram cerca de US$ 18 bilhões no exterior enquanto o estrangeiro deixou apenas US$ 6 bilhões na economia brasileira", afirma o órgão.
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